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Saúde e Ciência

O uso da maconha diminui o nível de QI?



18/08/2020



É bem provável, que todos nós já ouvimos dizer que pessoas que usam maconha não conseguem raciocinar e pensar de forma inteligente e são lentas para efetuar algumas funções simples ou complexas. Mas será que isso é verdade? Vamos descobrir.

De acordo com as estatísticas, em todo o mundo, cerca de 188 milhões de pessoas usam maconha todos os anos. O seu uso recreativo foi legalizado em 11 estados dos Estados Unidos e em breve pode se tornar legal em nível federal.

Segundo uma pesquisa realizada no ano passado, 12% dos adultos americanos disseram fumar maconha, incluindo 22% dos jovens de 18 a 29 anos.

Conforme o acesso e uso da maconha aumenta, a sua aceitação cresce e a percepção de sua nocividade diminui. É importante considerar o poder de efeitos nocivos a longo prazo, principalmente em pessoas que começam a consumir a planta cedo.

O que é Quociente de Inteligência (QI)?

 Quociente de Inteligência (QI),  se refere a uma medida padronizada da capacidade cognitiva de um indivíduo analisada cientificamente.

O nível de QI de uma pessoa é definido por um teste que contém perguntas aleatórias que vão desde questões matemáticas, raciocínio lógico até vocabulários. De acordo com o número de pontuação é possível concluir diferentes subcategorias de inteligência.

Novos estudos propostos por Davis Wechsler (psicólogo romeno-americano), deram origem a seguinte classificação, especificamente para adultos:

  • QI acima de 130: superdotação; 
  • 120 – 129: inteligência superior; 
  • 110 – 119: inteligência acima da média; 
  • 90 – 109: inteligência média; 
  • 80 – 89: embotamento ligeiro; 
  • 66 – 79: limítrofe; 
  • 51 – 65: debilidade ligeira; 
  • 36 – 50: debilidade moderada; 
  • 20 – 35: debilidade severa; 
  • QI abaixo de 20: debilidade profunda.

De acordo com as estatísticas, 99,5% das pessoas possuem QI  normal e apenas 0,5%  sofrem algum tipo de delimitação na capacidade mental ou são considerados gênios.

Quais as controvérsias sobre o uso da maconha?

Uma das consequências mais comentadas da maconha é a interferência de curta duração na memória. A substância dificulta a distribuição de informações para a memória e também para  acessá-las.

No entanto, é pouco discutido se o uso de maconha tem efeitos duradouros sobre as habilidades cognitivas. Encontrar a resposta para essa pergunta é muito importante. 

Segundo as pesquisas, dependendo da gravidade de alguns efeitos, o uso da maconha pode ter impactos negativos na educação, no emprego, no desempenho profissional e na renda, prejudicando assim o consumidor.

Existem algumas razões pelas quais o cérebro dos adolescentes que fazem o uso pode ser vulnerável aos efeitos causados pela maconha.

Os canabinóides naturais são essenciais na migração e no desenvolvimento das células cerebrais. E a adolescência é uma idade importante para finalizar a modelagem cerebral e a proliferação da substância branca. Os hipocampos, são muito importantes na formação de novas memórias e são cercados de receptores canabinóides .

O THC, o principal ingrediente por trás do famoso “barato” da maconha, age nos receptores canabinóides do cérebro para causar efeitos semelhantes aos dos canabinóides endógenos do corpo, como a anandamida

Um relatório importante sobregiu em 201 a maconha sur2. Foi publicado por um grupo de pesquisadores, que acompanharam o desenvolvimento de 1.000 neozelandeses nascidos na cidade de Dunedin no início dos anos 1970.

Após uma avaliação de medidas de cognição e QI, a partir dos três anos de idade, os pesquisadores registraram o uso da maconha pelos participantes desde a adolescência até os 30 anos. 

Enquanto aqueles que nunca usaram maconha mostraram aumentos de QI com o tempo, os consumidores tiveram quedas constantes de QI proporcionais a quanto tempo eles fumaram e a quantidade que fumaram

Aos 38 anos, pessoas que começaram muito cedo, relataram mais problemas com o pensamento subjetivo. Seus amigos próximos os descreveram como pessoas que têm dificuldades de atenção e memória.

Segundo os resultados do teste, aqueles que fumaram uma grande quantidade de maconha quando adolescentes e depois pararam, nunca voltaram totalmente a linha base. 

O efeito envolveu todos os domínios cognitivos, desde a lembrança de listas de palavras até o processamento de informações, resolvendo problemas e prestando atenção

As pessoas que usaram a maconha com mais frequência tiveram um declínio geral de cerca de 6 a 8 pontos de QI. Isso parece ser uma grande evidência. Então você pode pensar: “Caso encerrado. Fumar maconha deixa você disperso. ” Mas não tão rápido”.

Derrubando o mito da relação entre o uso de maconha e a queda de QI

Em um mundo governado por cientistas, em que muitas vezes existem profissionais mal intencionados, determinar os efeitos da maconha no QI seria simples: uma metade população escolhida aleatoriamente seria exposta à maconha durante a adolescência e o restante receberia um placebo (qualquer substância ou tratamento inerte)

Com isso, os cientistas poderiam comparar as pontuações cognitivas das pessoas antes e depois do uso da maconha e, pronto. Você teria sua resposta.

Para ter essas conclusões no mundo real, no entanto, contamos com a epidemiologia (disciplina básica da Saúde Pública voltada para a compreensão do processo saúde-doença no âmbito de populações), um ramo da ciência que abrange questões em nível de população. Duas estratégias importantes para separar causa versus consequências são usadas no estudos em grande escala e projetos de gêmeos. 

A vantagem da primeira estratégia, que foi usada no estudo de Dunedin, é que cada participante age conforme seu próprio controle. Levando em consideração de que cada criança começa com um QI diferente, é simples medir se as pontuações de Johnny ou Janie aumentam ou diminuem com o tempo em relação ao uso de maconha (as medidas são feitas por relatos individuais de quantidade, frequência e duração desse uso).

A segunda estratégia surge através de uma lógica diferente. Como os gêmeos cresceram com as mesmas origens familiares e são geneticamente semelhantes, eles formam controles experimentais perfeitos um para o outro.

Se o gêmeo A fuma maconha enquanto o gêmeo B não, os pesquisadores têm um mini experimento controlado que ajuda a descartar qualquer fator de confusão, como o trabalho do pai ou o alcoolismo na família da mãe. Com estudos epidemiológicos de gêmeos , um pesquisador é capaz de examinar uma amostra inteira e resumir todos os efeitos relevantes.

Dois principais desses pesquisadores são Nicholas Jackson, da Universidade do Sul da Califórnia e William Iacono, da Universidade de Minnesota, que trabalharam com suas equipes para examinar dados de dois estudos de gêmeos adolescentes na Califórnia e em Minnesota.


Os pesquisadores mediram a inteligência dos gêmeos entre 9 e 12 anos de idade,antes de qualquer uso da planta, e repetiram o mesmo processo novamente entre 17 e 20 anos.

Assim como o estudo de Dunedin, os consumidores de maconha tiveram pontuações mais baixas nos testes e mostraram reduções notáveis ​​no QI ao longo tempo. Mas na análise de Jackson e Iacono, o uso de maconha e o QI não tinham nenhuma ligação, e as medidas de QI caíam igualmente entre os que consumiram e os que não consumiram.  

Como podemos explicar isso? Primeiro, os jovens consumidores de maconha são muito mais propensos a usar álcool e outras drogas ilícitas. E quando os epidemiologistas incluem o consumo excessivo de álcool, nicotina e outras drogas em seus modelos, os efeitos cognitivos da maconha somem.

Assim, a queda do QI parece estar mais relacionada ao uso geral de substâncias. Mas essa observação não explica por que o QI também cai em gêmeos não usuários de maconha. Jackson, e seus colegas perceberam que no início do estudo, antes de qualquer envolvimento com a substância, os futuros consumidores de maconha  já tinham pontuações de QI mais baixas. Em outras palavras, a cannabis não diminuiu seu QI, já estava baixo.

Em seguida, os investigadores descobriram vulnerabilidades que explicavam tanto o uso de maconha quanto as diminuições de QI. Por exemplo, alguns comportamentos, como impulsividade e risco excessivo, previam tanto o uso de substâncias quanto o QI mais baixo. Portanto, o uso da maconha não foi o culpado do declínio cognitivo. 

Conclusões

Talvez o uso de cannabis por adolescentes não tenha nenhum impacto cognitivo detectável, exceto em níveis muito elevados ou ao longo de muitos anos. Por enquanto, os investigadores estão aguardando os dados do estudo do cérebro adolescente e o desenvolvimento cognitivo (ABCD). 

Esses dados estão acompanhando 11.000 crianças americanas de 10 anos sem uma amostra epidemiológica nacional com testes de QI em série e imagens cerebrais para capturar as trajetórias do cérebro normal e o desenvolvimento de QI antes de qualquer uso de substância  e para relatar quaisquer consequências de tal uso. 

Esta pesquisa tem a capacidade de resolver a questão da relação entre o uso de maconha por adolescentes e as mudanças na cognição. Os cientistas começarão a ver resultados significativos nos próximos anos.

Médicos e legisladores precisam de uma noção mais precisa dos efeitos do THC nas mentes dos adolescentes para que os pais, professores e planejadores sociais possam responder preventivamente ao uso de maconha na adolescência.

Se os efeitos cognitivos de longo prazo forem comprovados, essa conclusão deve resultar em restrições do uso por meio de esforços educacionais e legais. Por outro lado, se os efeitos cognitivos são transitórios ou melhor explicados por fenômenos sociológicos, podemos todos dar um passo para trás e direcionar nossos esforços e recursos para outro lugar.

Referências

  • Scientific American
  • Ibc Coaching

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Bruno Oliveira

Tradutor e produtor de conteúdo do site Cannalize, apaixonado por música, fotografia, esportes radicais e culturas.