Ministros pró-cannabis não animam especialistas

Ministros pró-cannabis não animam especialistas

Sobre as colunas

As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Ao menos dois ministros e uma ministra já acenaram favoravelmente à pauta canábica, mas em seus discursos de posse, não tocaram no assunto; especialistas comentam.

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, em seu discurso de posse. Foto: Agência Brasil

A conclusão do processo das eleições presidenciais, em outubro de 2022, aumentou a percepção de um caminho desobstruído para as discussões sobre o futuro da cannabis no Brasil. Para especialistas ouvidos pela Cannalize na semana seguinte das eleições, esta percepção de maior liberdade de diálogo se deu devido ao fortalecimento das instituições democráticas com a vitória de Lula. 

Ainda no pós-eleições, o advogado Rodrigo Mesquita afirmou em entrevista ao portal que o presidente da república não tem o perfil de quem interferiria na condução feita pelo parlamento do que chamou de “um debate mais permeável.”

Mas será que essa expectativa positiva aumentou diante da nomeação de, ao menos, dois ministros e uma ministra que já se mostraram favoráveis à cannabis medicinal?

Leia também: Especialistas enxergam em vitória de Lula boas perspectivas para discussões sobre cannabis no Brasil

Simpáticos à pauta canábica

O fato recente que mais levantou expectativas para os avanços da pauta canábica foi a nomeação do deputado Paulo Teixeira (PT) para a cadeira de ministro do Desenvolvimento Agrário. 

Isto porque, enquanto parlamentar, o agora ministro integrou a “Bancada da Cannabis”, um grupo responsável por tocar em frente o Projeto de Lei Nº 399, de 2015, que regulariza a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta em sua composição, entre outras iniciativas.

Além de Paulo Teixeira, a socióloga Nísia Trindade e o parlamentar Alexandre Padilha, que também foram nomeados ministros das pastas da Saúde e das Relações Institucionais, respectivamente, já demonstraram simpatia à pauta da cannabis medicinal. 

Em julho de 2022, Nísia Trindade ocupava o cargo de presidente da Fiocruz quando a fundação promoveu, em parceria com a Apepi (Associação de Apoio à Pesquisa e Cannabis Medicinal), o III Seminário Internacional “Cannabis Medicinal – Um Olhar Para o Futuro”, que foi considerado pela presidente da associação, Margarete Brito, “uma iniciativa fundamental para promover a conscientização sobre a importância de lidar com a cannabis como uma questão de saúde pública”, de acordo com uma matéria de divulgação do evento no site da Fiocruz.

Já Alexandre Padilha, que para o mandato atual foi nomeado Ministro das Relações Institucionais, tem um artigo publicado em seu site, no qual defende a ciência e a pesquisa orientada para a cannabis. 

“Existem vários estudos e experiências práticas que mostram os benefícios desses medicamentos para pessoas que tem síndrome epilética, que sofrem com enjoo e dores resultantes da quimioterapia no tratamento de câncer e vários outros [estudos] desenvolvidos para identificar os benefícios que podem ter para o Alzheimer e para o Parkinson”, diz o texto de Padilha.

Silêncio sobre o tema

No entanto, a expectativa de que o tema seja defendido pelos ministros nomeados ainda não está sustentada por fatos. Em seus discursos de posse, nenhum dos ministros ou a ministra mencionou a cannabis, por exemplo.

Para Viviane Sedola, head de Educação da Cannect e fundadora da Dr. Cannabis, o silêncio sobre o tema se deve a uma questão de “prioridades”. 

“É legal que a gente tenha ministros com uma visão clara sobre isso, mas se vai andar ou não, não sei, não sou tão otimista. O governo passado deixou reveses que o atual precisa recuperar. E, com certeza, a cannabis não é uma prioridade, tanto é que isso não estava no plano de governo, sequer foi citado”, aponta Viviane. 

Rafael Arcuri, diretor executivo da ANC (Associação Nacional do Cânhamo Industrial), publicou um artigo na última terça-feira (3), no site Poder 360, no qual demonstra também suas incertezas. Para Arcuri, a cannabis é “um exemplo de uma agenda técnica permeada por moralismo e confusões. Por isso, definir para onde vai a indústria da cannabis em 2023 não é fácil.”

“Cada país tem uma regulação diferente para a cannabis e alguns têm normas específicas para cada Estado. Para medir os canabinoides – uma das principais preocupações das agências de controle de drogas – são usados testes de cromatografia líquida, gasosa ou outros, que chegam a resultados muito diferentes. Os conceitos jurídicos são imprecisos e obscuros”, afirmou Rafael em seu artigo.

Falta de iniciativa ou momento conturbado?

Na opinião do advogado especialista em regulação de cannabis, Konstantin Gerber, o silêncio dos ministros empossados se deve à falta de iniciativa.

“A tendência do Poder Executivo é se esquivar do debate, dizendo que é melhor esperar o Poder Judiciário, que pode descriminalizar o autocultivo, e empurrar para o Poder Legislativo, que pode regulamentar o cultivo associativo com fins medicinais. Me parece que a tendência dos ministros é de não quererem assumir as omissões do Poder Executivo”, afirma Gerber.

Já o economista Marco Antônio Carboni, presidente do Instituto CuraPro: Acolhe Vidas (associação de pacientes de cannabis medicinal), acredita que os ministros têm outros assuntos mais urgentes para tratar.

“A cannabis é prioritária para nós que vivemos disso, mas acho que eles têm outras prioridades por enquanto. Eu acredito que o Poder Executivo é mais favorável à pauta, mas está sofrendo no momento às questões naturais do início do governo conturbado. Espero que o ministro Paulo Teixeira exerça influência para que tenhamos mais voz, para estabelecer um diálogo melhor e mais organizado com órgãos como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)”, pondera Carboni.

A despeito do momento conturbado, Marco Antônio defende que o trabalho deve continuar. “Acredito que eles [ministros] continuam simpáticos à pauta e que podemos manter um diálogo promissor à nossa causa e aos nossos pacientes, mas precisamos de uma mudança de fato para que não sejamos mais confundidos com infratores. Precisamos de uma regulamentação que nos permita trabalhar.”

Filipe Suzin, fundador da associação de pacientes Curando Ivo, e ativista engajado pela pauta da cannabis medicinal, também enxerga que o “momento crítico” que o governo enfrenta pode deixar a pauta paralisada. Mas, para Suzin, é de responsabilidade da sociedade manter a postura de cobrança para que o debate continue.

“Minha perspectiva para este ano é de que a gente tenha mais liberdade e segurança para dialogar com os poderes, já que saímos de um governo extremista para um governo democrático. Então temos que continuar insistindo, batendo na porta, educando a sociedade sobre o tema, sempre ampliando o diálogo…A iniciativa deve partir do povo. Neste momento que a sociedade pode se empoderar mais, é de nós que deve partir a iniciativa, para conseguir trabalhar de verdade esta pauta.”

O advogado Konstantin Gerber entende que, mesmo que não em curto prazo, o esquema de regulamentação pode ser posto em prática, unindo forças entre os ministérios e órgãos de saúde pública.

“Coordenando o trabalho entre Ministérios da Saúde, Justiça, Ciência e Tecnologia, Agricultura, Anvisa e vigilâncias sanitárias estaduais e municipais, é possível regulamentar a produção artesanal exclusiva para associados e diferenciá-la da produção industrial. Há margem para regulamentação via Decreto e regulamentos do cânhamo industrial, conforme previsto na Convenção Única de Entorpecentes de 1961, e do cultivo para fins medicinais e científicos, como já previsto no art. 2 da Lei de Drogas”, explica o advogado.

Legislação brasileira

No Brasil, a cannabis é aprovada apenas para fins medicinais e só pode ser comprada com receita médica. 

Atualmente, ela pode ser adquirida através de importações, nas farmácias e até por associações de pacientes. 

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