Com o crescimento do mercado de cannabis, a “venda de prescrição” é vista por alguns médicos como um problema
Com o crescimento do mercado de cannabis, a venda de prescrição é vista por alguns médicos como um problema
De acordo com o último levantamento da Kaya Mind, mais de 600 mil brasileiros já utilizam a cannabis para algum tratamento. Número que tem crescido de forma considerável desde que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o uso pela primeira vez.
O crescimento chamou a atenção de empreendedores, que encontraram na cannabis um novo mercado. Atualmente, as farmácias já contam com mais de 30 produtos nas prateleiras. Outras centenas também já possuem autorização automática para a importação. E todos os dias, tem surgido novas marcas.
Ainda segundo dados da Kaya Mind, o mercado brasileiro da cannabis medicinal movimentou mais de R$850 milhões somente no ano passado. Um aumento de 22% em relação a 2023.
Por outro lado, a cannabis medicinal no Brasil ainda é um produto controlado, que precisa da prescrição de um profissional habilitado, seja ele médico ou cirurgião-dentista.
Isso transformou o Brasil em um dos poucos países que enxerga a cannabis como um medicamento. Embora a legislação vigente não seja a ideal, muitos médicos defendem que é necessário ter um olhar mais cuidadoso na hora de prescrever e vender produtos à base de cannabis.
De acordo com a médica da família Rafaela Bock, o tratamento com a planta é complexo e precisa de um acompanhamento de perto. “Cada óleo por si só já é diferente. Cada um influencia no tratamento de formas distintas. A quantidade de THC e até pequenas alterações de dose podem mudar a resposta e o que a gente pode esperar”, ressalta.
A médica pós-graduada em cannabis medicinal, acrescenta que, apesar de ser um remédio mais natural, a cannabis ainda pode ter contraindicações e interações medicamentosas que podem ser um problema.
O cirurgião-dentista Guilherme Martins, professor do curso de Odontologia
Canabinoide, também ressalta que não é porque a planta é segura, que é uma panaceia. “A terapia canabinoide tem que ser levada a sério, senão vira uma alopatia qualquer. A cannabis não é o é só o CBD. A subdosagem e a alta dosagem também podem levar a um desequilibro que mais atrapalha do que ajuda”, acrescenta.
Para ele, a consulta ainda precisa de um acompanhamento de perto. A cannabis é conhecida por agir de forma personalizada para cada paciente. Dessa forma, encontrar a dose ideal pode levar um tempo.
O Sistema Endocanabinoide é uma rede complexa que atua na regulação de quase todos os sistemas do organismo. E o seu funcionamento varia de pessoa para pessoa, como uma impressão digital.
“A gente evoluiu a pauta para um lado medicinal muito forte, não dá para retroceder”, ressalta. “E se o paciente tem um surto por excesso de THC? Uma taquicardia?”.
Dessa forma, não basta apenas prescrever. É preciso saber o que está sendo dispensado. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), calcula-se que mais de 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de forma inadequada.
E o mundo da cannabis medicinal não está isento. Para a médica Rafaela Bock, não basta conhecer o básico. Há inúmeros fatores que influenciam na hora de prescrever a cannabis.
“Depende do grau da doença, da quantidade de medicamentos que usa, da patologia enfim. Tem que ser um médico que conheça profundamente o assunto. Entender por que o tratamento falhou, quais são os outros produtos que existem. E muitas vezes, o médico que aprendeu o básico não vai ajudar” acrescenta.
O dentista Guilherme Martins ainda acrescenta que há muitos laboratórios que oferecem cursos de prescrição, mas não ensinam o básico. “. Tem que ensinar o básico do sistema endocanabinoide, para o profissional prescrever com segurança”, diz.
Com o aumento de empresas atuando no setor, cresceu também a chamada “comercialização” ou “banalização” da prescrição, em que não há um acompanhamento correto dos pacientes.
Apareceu uma nova onda de consultas médicas gratuitas ou extremamente baratas, oferecidas em plataformas ou redes sociais que prometem prescrição rápida para quem busca o uso terapêutico da planta.
À primeira vista, parece um avanço no acesso ao tratamento, que não costuma ser barato. Mas, na prática, o que está se desenhando é um modelo perigoso e considerado antiético, onde o paciente deixa de ser um paciente e passa a ser tratado como produto.
“Teve uma empresa de cannabis que veio falar comigo. Ela tinha uma alta demanda de pacientes que precisavam da receita e que a consulta seria por uma ferramenta de texto, não era nem sequer uma coisa organizada. O prontuário eram as mensagens sendo gravadas, achei antiético. Isso prejudica a compreensão e dá muita brecha para mal-entendidos. Quando há uma conversa cara a cara, você consegue verificar o que o paciente está falando”, relatou a médica.
Muitas vezes, o paciente vê um anúncio, agenda uma consulta rápida por mensagem de texto ou telefone e sai com uma receita padronizada que o direciona para comprar o produto da própria empresa.
A consulta, neste caso, é apenas um passo intermediário da venda. A medicina é usada como meio para fins comerciais. O que se vende não é um tratamento: é uma esperança empacotada, muitas vezes sem avaliação clínica adequada. E o que está em risco é a saúde de quem acreditou nessa promessa.
“E se der errado, porque o paciente não teve um acompanhamento adequado, isso cria um viés negativo e frustrante. O paciente acha que a cannabis não funciona”, acrescenta a médica.
Outro ponto destacado pelos profissionais é o preço da consulta. Para o Dr. Guilherme Martins, não há como fazer uma consulta de qualidade abaixo do valor que os próprios conselhos determinam como mínimo.
No ano passado, a FENAM (Federação Nacional dos Médicos), por exemplo, determinou um valor mínimo de R$ 238,29 por consulta médica.
“O médico que aceita isso, está errado. É o nome dele q está ali. É a banalização do próprio profissional de saúde”, acrescenta.
O tratamento canábico exige presença médica real, escuta qualificada e acompanhamento ativo. O objetivo não é apenas “entregar um frasco de óleo”, mas ajudar o paciente a atingir resultados terapêuticos com segurança, minimizar riscos, ajustar doses e, se possível, reduzir o uso de outros medicamentos a longo prazo.
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós graduada na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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