Em 2018, no estado de Massachusetts, EUA, um estudo foi realizado para entender as propriedades medicinais da cannabis para o fígado.
As conclusões foram que a planta pode ser eficaz na prevenção de cirrose e abuso de álcool.
Atualmente, a cannabis também é opção de tratamento para outras condições, não necessariamente relacionadas ao órgão. Isso acontece, porque muita gente não pode tomar medicamentos tradicionais por alguma implicação no fígado.
É o caso do Miguel Vogt, que teve que tratar um autismo severo com CBD (canabidiol) por causa de uma cirrose hepática. Os remédios comuns tinham que ser metabolizados pelo órgão, e consequentemente faziam mal ao menino.
Mas como é a ação da cannabis no fígado? E como ela pode ajudar nas doenças do órgão? Vamos entender melhor
Primeiro, vamos entender quais são as doenças do fígado e como elas acontecem.
O fígado tem um papel vital no nosso corpo, ele filtra o sangue, elimina as toxinas e outros elementos ruins de alimentos ingeridos.
Localizado no lado direito do abdômen, ele é a maior glândula do organismo e também faz a digestão de gorduras, produz proteínas, armazena glicose e vitaminas.
Por isso, quando ele fica doente, pode comprometer várias outras funções que dependem dele. Felizmente ele possui um alto poder de regeneração, o que ajuda e muito nos transplantes.
Quando alguém com o órgão saudável doa 20% ou 30% do seu próprio fígado, ele volta ao seu tamanho original pouco tempo depois.
Quem faz o papel da sintetização das proteínas são as células hepáticas do fígado, que trabalham tanto para enviá-las para o corpo, quanto para a manutenção do próprio órgão.
Quando o órgão adoece, provocando alguma condição, a chamamos de doenças hepáticas. As mais comuns são as hepatites A,B e C, cirrose, esteatose hepática, hepatopatia alcoólica e até o câncer de fígado, que tornou-se frequente, entre este tipo de comorbidade.
Por muitas vezes é silenciosa, ou seja, não produz sintomas. Quando eles aparecem são geralmente vômitos, dor abdominal, cansaço e uma série de outros sinais.
No Brasil, as causas mais comuns das hepatites são alguns vírus classificados como A, B, e C. Por ser silenciosa, o diagnóstico tardio pode não só resultar em uma doença crônica, mas também gerar uma fibrose, cirrose e até câncer.
Entre os tipos de câncer, o mais recorrente, cerca de 90% dos casos, é o hepatocarcinoma, que se desenvolve nas células hepáticas.
Além dessas condições, há também outras nem tão comuns assim. Mas não é o foco deste artigo, vamos continuar.
As doenças de fígado podem ter várias origens. A hepatite A, por exemplo, é transmitida mais comumente pela água ou alimentos contaminados.
Hepatites B e C são contraídas principalmente por fluídos corporais, como objetos individuais que são compartilhados, como lâmina de barbear e alicates de unha; cirurgias com materiais não esterilizados e até drogas injetáveis.
As três condições atingem dois milhões de brasileiros e também podem ser sexualmente transmissíveis.
Hepatites alcoólicas, como o próprio nome diz, é caracterizada pelo abuso de álcool. Já a Esteatose hepática é caracterizada pelo acúmulo de gordura no fígado que pode acometer até 20% dos brasileiros.
A fibrose, cirrose e o câncer são normalmente gerados por complicações das hepatites.
Os sintomas irão variar de acordo com a condição. Como dito antes, doenças como as hepatites, costumam ser silenciosas e agravar em problemas mais sérios. Mas quando se manifestam podem trazer alguns sintomas como:
Caso as doenças se agravem e virem algo mais sério, além destes sintomas, pode aparecer:
Na maioria das vezes, os sintomas não aparecem, por isso, muita gente nem sabe que tem. Por isso, um diagnóstico preciso só pode ser feito através de exames.
É possível detectá-las através de exames de rotinas, como ultrassonografia e até exame de sangue. Caso o médico suspeite de algumas dessas doenças é bem provável que ele peça exames mais específicos para fazer uma avaliação do fígado.
Não há uma fórmula única de tratamento, cada tipo de doença será tratada de maneira diferente. Contudo, prevenir é a melhor solução, que pode ser feita com hábitos simples, como:
Manter uma alimentação saudável, diminuir o consumo de álcool, ter higiene e usar proteções individuais e fazer sexo com camisinha.
É importante frisar que há também duas vacinas na rede pública, para hepatite A e B.
Caso não foi possível prevenir, saiba que hepatites são normalmente tratadas com remédios antivirais, medicamentos que ajudam a reduzir os sintomas, reposição de sais minerais e vitaminas e até a adesão de corticoides. Casos que evoluíram para algo mais sério, podem envolver tratamentos intensivos, cirurgias e transplantes.
No entanto, cada caso é diferente e sempre precisa ser acompanhado por um médico.
Confira a pesquisa feita pelo National Institute of Scientific Research
Outro artigo feito com estadunidenses também analisou um número de pessoas que fazem o uso da cannabis. Dessa vez, o estudo observacional contou com 8.200 registros de pacientes para entender a prevalência da esteatose hepática.
As conclusões foram que os consumidores de maconha, mesmo aqueles que não tinham uma alimentação saudável, tinham menos chances de contrair a doença.
Os cientistas da Universidade de Stanford destacaram uma possível relação com os níveis de insulina de jejum menores. Isso quer dizer um comprometimento menor do metabolismo da glicose.
O corpo humano tem um sistema chamado Sistema Endocanabinoide, que equilibra a homeostase, ou seja, a regulação de várias funções do corpo, como fome, humor e sistema imunológico.
Este sistema funciona através de receptores, são eles que sinalizam quando algo não vai bem. Os mais conhecidos são chamados de CB1 e CB2 e estão por todo o corpo, inclusive no fígado.
Eles são os responsáveis por ajudar a evitar ou agravar doenças hepáticas.
Quando algo precisa ser regulado, o Sistema Endocanabinoide envia os endocanabinoides. Eles são produzidos pelo próprio organismo e são de grande ajuda no equilíbrio do corpo.
A cannabis também possui estes compostos, que nas plantas, são chamados de fitocanabinoides. Você já deve ter ouvido falar de alguns deles, como o canabidiol e o THC (tetra-tetraidrocanabinol).
No nosso organismo eles exercem uma função similar aos nossos, e podem agir como uma espécie de reforço. Quando ingerimos a cannabis em suas variadas formas de consumo, os fitocanabinoides são ativados pelo fígado.
Quando ingerimos álcool de forma exagerada, por exemplo, ele pode chegar até as nossas correntes sanguíneas e ativar uma resposta imunológica que consequentemente, causa a liberação de proteínas inflamatórias.
Isso causa uma cadeia de inflamações por todo o organismo, entre eles o fígado. O abuso de álcool pode deixar o órgão mais suscetível a bactérias e toxinas que passam pelo intestino e infiltram em todo o corpo, inclusive, a veia portal hepática, ligada ao órgão.
O fígado então reconhece o que está acontecendo e começa a produzir citocinas inflamatórias. E quanto mais isso acontece, mais cicatrizes ficam no órgão resultando em fibrose.
As citocinas são produzidas quando ativamos o sistema imunológico. Elas ajudam a medir o quanto o álcool pode fazer mal ao seu intestino, cérebro e outras partes do organismo. Elas também funcionam como biomarcadores que detectam transtornos de ingestão de álcool.
Um estudo publicado em 2018 na Universidade do Colorado em Boulder mediram os níveis de citocinas em 66 pessoas que consumiam álcool e algumas que também usavam maconha.
A conclusão é que as pessoas que usam cannabis tinham menos citocinas, o que sugere que a cannabis também tem a capacidade de reduzir os danos relacionados ao álcool.
O estudo mostrou também que os níveis eram ainda mais baixos de pessoas que não bebiam e não tinham esta disponibilidade inflamatória maior.
Os fitocanabinoides estão cada vez mais sendo usados em medicamentos devido às suas funções anti-inflamatórias. Contudo, a sua ação no fígado a nível celular, ainda precisa de mais estudos.
Aqui ela acontece por algumas disfunções metabólicas do corpo. O fígado é responsável por filtrar o açúcar e a gordura.
Quando ingerimos alimentos como uma quantidade alta de açúcar ou carboidratos refinados, como batata frita, a insulina pode parar de fazer o efeito que deveria.
Isso pode trazer níveis perigosos de açúcar ou gordura no sangue, então, o fígado trabalha ainda mais para impedir que isso aconteça. Esse esforço transforma as substâncias em gorduras armazenadas, ou o famoso “engordar”.
No entanto, o processo pode acabar gerando gotículas de gordura nas células do fígado, que podem crescer com o tempo e causar danos ao órgão. Consequentemente, elas diminuem a potência da metabolização.
A morte das células do fígado, causa inflamações que causam uma inchação e dificultem ainda mais o seu trabalho. Com já dito acima, o processo de inflamação leva a cicatrização e como resultado, a fibrose.
Cientistas ficavam intrigados com consumidores de maconha, pois em média, eles eram os que mais tinham uma alimentação desregulada com um alto consumo de fast foods, refrigerantes e álcool. Por outro lado, também tinham menos chances de desenvolver obesidade, diabete ou alguma doença hepática.
Por isso, um estudo feito nos Estados Unidos em 2017 tentou entender os efeitos da cannabis em 14.800 pessoas. Como o esperado, também concluíram que as chances de desenvolver alguma doença hepática era bem menor em pessoas que consumiam a erva.
No Brasil, o uso recreativo é permitido para uso pessoal, no entanto a venda é proibida. Por isso, a forma mais prudente é recorrer à cannabis medicinal. Este uso só pode ser feito com prescrição médica.
É importante conversar com o seu médico ou um especialista que entenda sobre fitofármacos, pois a cannabis tem centenas de canabinoides que podem ser usados para uma variedade de condições.
Sem contar que a dosagem e uma possível mistura de flavonoides e terpenos podem entrar, tudo vai depender do organismo e genética de cada um.
É importante ressaltar que qualquer produto feito com a cannabis precisa ser prescrito por um profissional de saúde habilitado, que poderá te orientar de forma específica e indicar qual o melhor tratamento para a sua condição.
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Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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