Ninguém quer ser considerado louco e trancafiado num manicômio involuntariamente. E até nisso a cannabis pode ter sua contribuição positiva
Com colaboração de Priscila Vicente
Imagine ser considerado inapto para o convívio social e, deliberadamente, trancafiado num hospital psiquiátrico, contra a sua vontade, por forças alheias a você.
Embora pareça inimaginavelmente desumano, para alguns é um pesadelo bem real. Até pouquíssimo tempo atrás, este era o tratamento considerado “terapêutico” para pessoas com transtornos mentais.
O livro “Holocausto Brasileiro”, escrito pela jornalista Daniela Arbex, lançado em 2013 e transformado em documentário em 2016 pela HBO, denuncia um dos piores exemplos de desumanidade no tratamento de sofrimento mental que já houve no Brasil: o Hospital Colônia de Barbacena, fundado em 1903 na cidade mineira e que em 80 anos de existência contabilizou mais de 60 mil mortes com a omissão do estado.
O livro-reportagem conta que as pessoas internadas eram violentadas, não eram alimentadas e, por não receberem roupas, morriam de frio, e tinham seus corpos vendidos para faculdades de medicina. A semelhança com o holocausto nazista não era apenas coincidência, e também se dava na maneira com que os internados eram transportados: amontoados em trens de carga, apelidados de “trem de doido”.
O Hospital Colônia de Barbacena foi desativado no final dos anos 1980, mas o simples fato de ter existido expôs o problema que deu origem a uma das demandas mais urgentes numa sociedade que tanto sofre com a saúde mental: a reforma psiquiátrica.
Quando o assunto é luta antimanicomial, uma antiga entrevista viraliza nas redes sociais. É a de um punk paulistano, identificado como Cipriano “Pobreza”, argumentando que a internação é “um crime”.
“É um atentado. Deveria primeiramente criar melhores formas de vida para o ser humano, para a sociedade, para não deixar atingir este ponto. Procurar colocar a pessoa em um espaço em que houvesse condições de fazer um tratamento, e não enjaular ela e ser tratada à base de porrada e de remédios.”
Os argumentos de Cipriano refletem as ideias do psiquiatra italiano Franco Basaglia, que influenciaram bastante o movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil. O médico criticava a postura de tratar indivíduos como “objetos de intervenção clínica” e considerava o princípio do isolamento do “louco” como excludente e repressor.
Inclusive foi Basaglia quem alcunhou o Hospital Colônia de Barbacena como “campo de concentração”, durante uma visita ao lugar, em 1978.
Foi graças à reforma liderada por Basaglia na Itália que a luta antimanicomial avançou no Brasil. Com o lema “por uma sociedade sem manicômios”, o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial envolveu não só pacientes, familiares e trabalhadores da área, mas também defensores de direitos humanos e outros cidadãos dispostos a discutir a questão da saúde mental no Brasil.
Com mais de 50 anos de luta, a reforma psiquiátrica se concretizou no Brasil através da Lei nº 10.216, sancionada em 2001. A fim de oferecer tratamento mais humanizado e menos invasivo possível, a lei pretende garantir proteção contra qualquer forma de abuso e exploração aos pacientes em condição de sofrimento mental.
Com o avanço do debate sobre a distribuição de medicamentos à base de cannabis pelo SUS (Sistema Único de Saúde), aumenta a expectativa quanto ao uso deste recurso em diferentes situações patológicas, inclusive na saúde mental.
Em entrevista com a Cannalize, a psiquiatra Cintia Braga aponta que um dos principais méritos do uso da cannabis em tratamentos psiquiátricos é a redução de medicamentos excessivos.
Cintia reconhece que a cannabis nem sempre é suficiente para substituir todos os medicamentos, mas defende o uso do artifício no lugar de medicações auxiliares, citando a esquizofrenia como exemplo.
“Em casos de esquizofrenia, muitas vezes a pessoa ainda precisa tomar um antipsicótico, mas não precisa da “perfumaria”, ou seja, as medicações complementares que servem para estimular o sono, a fome, a disposição… então dá pra diminuir muita coisa porque, para além do quadro psicótico, existem outros sintomas que pioram muito a qualidade de vida das pessoas. As medicações auxiliares podem deixar a pessoa mais lenta, pesada, devagar, resultando numa qualidade de vida pior… A cannabis medicinal entra para repor esta qualidade de vida, sem precisar de tanta medicação.”
Inclusive, uma reportagem da Revista Fapesp, periódico especializado em divulgação científica financiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), divulgou novas perspectivas de tratamento com canabidiol para a esquizofrenia.
Baseada em experimentos feitos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP), a matéria jornalística aponta novas hipóteses sobre a origem e evolução dessa doença ao mostrar que os danos poderiam ir além dos neurônios e atingir outras células do sistema nervoso central.
Segundo o texto, os estudos sugerem que o canabidiol pode evitar efeitos indesejáveis para o sistema nervoso central, como ganho de peso, tremores e sonolência, causados pelos fármacos normalmente utilizados neste caso.
Além disso, a pesquisa entende que o canabidiol pode proteger os neurônios, evitando os principais sintomas característicos desse transtorno psiquiátrico, como os delírios e as alucinações.
Para Cintia Braga, a versatilidade da cannabis deve ser usada como trunfo no trabalho de reabilitação das condições de saúde mental de pessoas vulneráveis.
“Não sabemos a causa da maioria dos problemas de saúde mental, mas sabemos os efeitos. E o Sistema Endocanabinoide parece estar na gênese destes problemas. Hoje sabemos que a maconha tem substâncias ansiolíticas, de ação antidepressiva e inclusive antipsicótica, que melhora a dor e diminui o uso de muitas medicações. Meu papel como médica psiquiátrica, sabendo que a maioria das doenças são crônicas, é ajudar a pessoa a trazer qualidade de vida pra ela, e isso faz muito bem. Nós temos uma política de drogas extremamente ultrapassada, que não precisa só de revisão, mas sim que se altere para para outra política, dessa vez pautada na ciência.”
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Lucas Panoni
Jornalista e produtor de conteúdo na Cannalize. Entusiasta da cultura canábica, artes gráficas, política e meio ambiente. Apaixonado por aprender.
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