A cannabis tem sido de grande ajuda no tratamento de condições no cérebro, como Alzheimer, Parkinson e principalmente epilepsia refratária.
A sua ação na nossa cabeça acontece por causa dos canabinoides, substâncias moleculares que ajudam a restaurar algumas funções do organismo.
Estudos já têm mostrado que a planta tem ação anti-inflamatória, ansiolítica, antioxidante e anticonvulsivante. Há países que a utilizam até como um suplemento nootrópico, isto é, como suplemento que ajuda o cérebro em áreas como a memória, a aprendizagem e a função cognitiva.
Então isso significa que ela possui capacidades neuroprotetoras? Conversamos com a cientista e professora de farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Alline Campos, que nos ajudou a esclarecer este assunto.
Para entender se a cannabis possui ação neuroprotetora é preciso entender o que de fato se trata.
A neuroproteção é um termo que se refere à capacidade de proteger nossas células neurais, incluindo neurônios e células da glia (conjunto de células no sistema nervoso central), visando manter as funções saudáveis do nosso cérebro e outros tecidos nervosos de nosso corpo.
Assim, qualquer substância isolada ou conjunto de substâncias que protegem a função dos nossos neurônios, por exemplo, são considerados neuroprotetores ou com ações neuroprotetoras.
O nosso cérebro tem uma pequena capacidade regenerativa, por isso, substâncias que possam preservar ou mesmo restaurar a função do nosso cérebro são muito bem-vindos.
Mas a cannabis tem essa capacidade? Segundo a cientista Alline Campos, a resposta é sim e não.
Mas como isso pode ser possível?
Ao longo das décadas, quando a cannabis passou a ser estudada no Brasil e ao redor do mundo, os cientistas têm buscado entender os efeitos neuroprotetores da planta.
A professora de farmacologia explica que a maioria dos estudos feitos até agora sugerem que alguns canabinoides isolados, assim como terpenos, podem ter uma ação neuroprotetora.
O que se sabe até hoje é que essa função está presente no canabidiol (CBD), de concentrações muito baixas de tetraidrocanabinol (THC). Além de outros considerados menores, como o canabigerol (CBG).
No entanto, não são todos os canabinoides. Isso vai depender de uma série de fatores, como a quantidade e a dose usada.
“Paracelso, considerado um dos principais nomes no que se refere a medicamentos e efeitos tóxicos, dizia sabiamente que qualquer substância presente na natureza pode ser um medicamento ou um veneno, dependendo de sua quantidade. E nessa afirmativa, incluímos vitaminas, alimentos e até mesmo a água, que para muitas pessoas é a substância mais inócua existente no universo.” Acrescenta.
Para entender a ação da cannabis no nosso cérebro, é importante ressaltar que ela age através do Sistema Endocanabinoide, um sistema que está presente em todas as pessoas e na maioria dos animais.
Ele é responsável por regular a homeostase, ou seja, o equilíbrio das funções do organismo, como fome, humor, sono e até sistema imunológico e nervoso.
Quando algo não está funcionando corretamente, o corpo sinaliza através de receptores, que são ativados pelos chamados canabinoides para corrigir o problema.
Além do organismo, algumas plantas e alimentos também possuem canabinoides, que podem servir de reforço aos nossos.
Segundo a cientista, aparentemente a ativação dos receptores no cérebro pode resultar na redução de danos, que podem ser causados por situações que colocam os neurônios em risco, como excesso de substâncias e hemorragias na cabeça.
Contudo é importante ressaltar que não dá para simplesmente usar a cannabis como um “escudo”, mas entender que os nossos canabinoides também podem fazer o trabalho.
“Ao colocarmos os canabinoides exógenos (externos), podemos gerar uma competição não saudável em nosso cérebro e criar uma situação de perigo no lugar de gerar proteção a nossos neurônios. Embora a Cannabis seja uma planta, ela também é um medicamento e pode gerar toxicidade.” Complementa.
A professora ainda complementa que o nosso cérebro está em constante mudança, o que é chamado de neuroplasticidade.
Os tipos de mudanças e a velocidade em que elas acontecem depende da nossa idade. Isso quer dizer que os efeitos neuroprotetores da cannabis também vão depender do envelhecimento do nosso cérebro.
A cientista ainda acrescentou que alguns estudos pré-clínicos sugerem que os efeitos de alguns canabinoides da planta, como o THC em baixas quantidades, são nocivos aos cérebros de crianças, pré-adolescentes e até mesmo adultos jovens.
Entretanto, na mesma pesquisa, os autores sugerem que o THC pode proteger os neurônios e estimular a formação de novas ligações entre estas células.
Além das condições mencionadas lá no começo do texto, Alline Campos também acrescenta que possivelmente acidentes vasculares encefálicos ou até mesmo acidentes em que ocorre a dissecção da medula espinhal em que há perda de função motora são áreas de interesse.
Contudo, a cientista diz que ainda estamos no começo das pesquisas e ainda falta muito para termos clareza e compreender de fato a ação neuroprotetora da planta.
“Há, claro, relatos anedóticos, mas nem tudo que é bom para o seu vizinho é bom para você. Imagine se o que é bom para ele é escutar música alta no momento em que você está dormindo? Com medicamentos é a mesma coisa. Automedicação nunca é uma boa ideia. Evitá-la também é uma forma de neuroproteção!” Conclui
Tainara Cavalcante
Jornalista pela Facom (Faculdade Paulus de Comunicação) e pós doutoranda na FAAP (Fundação Armando Alves Penteado) em Jornalismo Digital, atua como produtora de conteúdo no Cannalize, Dr. Cannabis e Cannect. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.
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